Bom dia!
Seguindo na Semana da Cozinha Gaúcha, a sexta-feira dá lugar a uma substanciosa sobremesa - nada melhor para acompanhar o nosso tradicional Carreteiro de Charque.
Para hoje, preparamos uma Canjica Doce, receita de influência luso-africana, que é muito tradicional na cozinha gaúcha, em especial na Região Missioneira. Pode-se dizer que a doçaria brasileira - e, consequentemente, a gaúcha - deu seus primeiros passos com a chegada dos imigrantes portugueses, durante o período colonial, os quais introduziram diversos novos hábitos alimentares em nosso território, como o uso do açúcar. Os imigrantes se instalaram principalmente na região dos pampas, local onde já haviam concentrações de espanhóis e da população indígena nativa. A fusão de hábitos e costumes dessas três culturas remonta as origens do povo gaúcho, que, nos séculos seguintes, ainda absorveu mais um intercâmbio, com a vinda das levas de imigrantes africanos e de vários outros países europeus.
A influência da cozinha lusitana no Brasil se desenvolveu, principalmente, com as instalações dos engenhos de açúcar, a partir do século XVI, com o objetivo de atender à demanda europeia pelo produto. Após uma tentativa inútil de forçar o povo indígena a trabalhar nesses locais, os senhores dos engenhos optaram por trazer a mão de obra escrava africana para as terras da Colônia. Inclusive, a cachaça (um dos subprodutos da cana-de-açúcar), foi bastante utilizada como moeda de troca entre os senhores dos engenhos para o escambo de escravos. Com a expansão do negócio e o largo alcance do açúcar tanto no próprio Brasil como na exportação para a metrópole (Portugal), os engenhos se tornaram uma fonte muito lucrativa para os colonizadores. Em meados do século XX, os engenhos ainda figuravam como a principal fonte econômica de vários estados brasileiros, especialmente nas regiões Nordeste e Sudeste.
Para o prato de hoje, herdado da época de introdução da cultura doceira no país, o açúcar é combinado com um ingrediente bastante abudandante no Brasil, utilizado em diversas receitas (tanto doces como salgadas). Estou falando do milho, que já era muito apreciado pelos povos indígena e africano. Esse cereal, novidade para os portugueses que aqui chegavam, é um gênero fundamental na base nutritiva brasileira. Adaptando os usos desse cereal à sua cultura, várias ideias portuguesas marcaram receitas conhecidas até hoje no Brasil, como é o caso da Canjica, também conhecida como Mungunzá, na região Nordeste. A receita é, basicamente, um creme com milho (verde ou branco) cozido no leite temperado com especiarias. O próprio consumo do leite, alimento muito popular no nosso país, tem origem na época da colonização, com a domesticação do gado, inicialmente utilizado como força motriz dos engenhos.
Canjica de Milho
Ingredientes:
- 250g de milho branco
- 2 xícaras (chá) de açúcar
- 8 dentes de cravo
- 2 paus de canela
- 500ml de leite
- Água
Modo de fazer:
- O primeiro passo é hidratar o milho para facilitar o cozimento do grão. Deixe-o de molho por cerca de 6 horas (ou mais, se possível).
- Depois desse tempo, coloque o milho na panela de pressão (ou em uma panela comum com a tampa entreaberta) com a mesma água em que ele estava antes. Se necessário, adicione um pouco mais de água.
- Cozinhe os grãos até que estejam bem macios (pode demorar cerca de uma hora ou mais). Retire o que sobrar de água.
- Adicione o leite, o cravo e a canela e deixe levantar fervura.
- Nesse ponto, adicione o açúcar e deixe cozinhar até que a mistura fique bem cremosa (não esquecendo de mexer de vez em quando para não grudar).
- Sirva quente ou gelado.
A canjica, como disse, é uma sobremesa substanciosa. Na época das carreteadas e da vida voltada principalmente ao trabalho físico, além de um complemento, ela era uma rica fonte nutritiva e energética para as lidas diárias. As receitas atuais de canjica geralmente levam leite condensado, um produto que praticamente domina a cultura dos doces no Brasil. Há também variações de região para região, sendo que há receitas com amendoim torrado ou coco e, até mesmo, há a Canjica Salgada, geralmente feita com o milho amarelo.
Se você reparar nas fotos, minha canjica está com um tom mais marrom. Isso aconteceu porque precisei usar a canela em pó, pois não tinha mais a em pau. O sabor, na verdade, é o mesmo. O que muda é o visual, pois, geralmente, as canjicas doces são bem branquinhas. No entanto, se você não se importar, dá para fazer tranquilamente dessa forma.
Há uma expressão gaúcha muito popular que diz: “fogo na canjica”. Dependendo do seu uso, pode se referir a algo que é difícil de ser feito, pois o cozimento da canjica é bastante demorado, ou, ainda, à ideia de animar alguém, colocar algo em movimento.
Tchê, então vamos para a cozinha e já botar fogo nessa canjica!
A Semana da Cozinha Gaúcha volta no dia 17 de setembro (terça-feira), com um acompanhamento bagual: Moranga Caramelada!
Até lá!
Tags: doces e sobremesas, especiais
Por Mariana Cervi Soares